Opinião (Rogério Copeto/ Oficial GNR): O PROCESSO SUMÁRIO EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Na semana passada tive oportunidade de assistir a uma palestra proferida pelo Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD), Dr. Rui do Carmo, onde defendeu o aumento de julgamentos em processo sumário para os crimes de violência doméstica.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
Para quem não está familiarizado com o assunto, para além da forma Comum, o processo crime pode aina assumir outras três formas especiais: Sumário; Sumaríssimo e; Abreviado.
Começando pelo último, e sem querer ser muito exaustivo, o processo Abreviado é um processo menos longo do que o processo Comum, sendo necessária a existência de prova documental ou testemunhal, não contraditória, evidenciando que ocorreu um crime punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos.
O processo Sumaríssimo, pode ser determinado em crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou só com pena de multa, cuja finalidade é simplificar o processo crime, através da obtenção de um consenso e quando ao arguido não seja aplicada uma pena de prisão.
E o processo Sumário tem como objetivo levar a julgamento indivíduos detidos em flagrante ou quase flagrante delito, por prática de crime punível com pena de prisão inferior a 5 anos.
Existe detenção em flagrante delito, quando o presumível autor do crime é detido no momento em que está a praticar o crime ou tenha acabado de o cometer. E quase flagrante delito quando logo a seguir à prática do crime ou depois de perseguição por qualquer pessoa, ou seja encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o praticar, ou nele participar, conforme previsto no art.º 256.º do Código de Processo Penal.
Por isso quando existe detenção em flagrante ou quase flagrante delito, resulta uma certeza muito forte de que o arguido cometeu aquele crime, não sendo necessária a fase de investigação, podendo realizar-se o julgamento até às 48 horas a seguir à detenção, podendo este prazo ser alargado para 5 dias, quando houver pelo meio um fim-de-semana ou feriado.
Esta forma de julgamento é comumente usada no crime de condução em estado de embriaguez, submetendo-se todos arguidos a julgamento imediato, tendo em conta a detenção em flagrante delito, por condução de veículo automóvel, com ao Taxa de Álcool no Sangue igual ou superior a 1,2 g/l, podendo estes ficar detidos 48 horas, contribuindo-se assim para o sentimento de justiça e o apaziguamento social.
No que diz respeito ao crime de violência doméstica, previsto e punido pelo Art.º 152.º do Código Penal, o mesmo prevê, que “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Pelo exposto, verifica-se que o crime de violência doméstica pode ser julgado em processo sumário, quando exista flagrante ou quase flagrante delito, com as necessárias vantagens que daí poderão advir, nomeadamente na eliminação do sentimento de impunidade, associada ao crime de violência doméstica.
Mas será que existem muitas ocorrências de violência doméstica, onde são detidos os seus autores?
À primeira vista, parece que sim, tendo em conta os artigos do Correio da Manhã, dos dias 9 e 10 de junho, com o titulo, respetivamente “Polícias travam 696 agressores em 5 meses” e “Quarenta agressores detidos na Guarda”.
No primeiro artigo é referido que no presente ano “já foram detidos 696 agressores e, casos de violência doméstica pela GNR e pela PSP, em todo o país … Só a GNR – que dispõe de 25 Núcleos de Investigação e Apoio a Vitimas Especificas de Norte a Sul do país – foi responsável por prender 449 agressores, entre 1 de janeiro e 24 de maio”.
No mesmo artigo é também possível ficar a saber que a APAV apoiou este ano 6928 vitimas de violência doméstica, pelo que à falta de melhores dados, podemos concluir que as 696 detenções realizadas em 2019 pela GNR e PSP, representam 10% dos de todos os crimes, desconhecendo-se, no entanto, quantas foram em flagrante ou quase flagrante delito.
O segundo artigo, refere que “as detenções de agressores em casos de violência doméstica subiram este ano de forma exponencial no distrito da Guarda, quando comparado com o mesmo período de tempo de anos anteriores”.
Este aumento poderá não ser só no distrito da Guarda, uma vez que de acordo com o RASI 2018, foram detidos 803 suspeitos em todo o ano de 2018 (mais 100 do que em 2017), verificando-se que nos primeiros 5 meses de 2019 foram detidos 86,7% de todas as efetuadas em 2018, pelo que, mantendo-se este registo, poderá duplicar-se o número de detidos no final de 2019.
Mas nada sabemos qual o número de detidos em flagrante ou quase flagrante delito, desconhecendo-se por isso quantos crimes de violência doméstica poderiam ter sido julgados em processo sumário, sabendo-se que taxa de arquivamentos é de 65,5%, tendo em conta o RASI 2018.
Ainda no segundo artigo é possível ficar a saber que “as duas últimas detenções realizadas pela GNR no distrito da Guarda são situações em tudo muito semelhantes: são investigações que duraram poucos dias, menos de uma semana, e que surgiram de denúncias realizadas telefonicamente para o Núcleo de Investigação e de Apoio a Vítimas Especificas da GNR da Guarda … Os homens são suspeitos de exercerem violência física e psicológica sobre as mulheres ou companheiras, que chegavam a ser ameaçadas de morte”. Cujo resultado para um dos detidos foi a proibição de contactos com a vítima e aplicação de pulseira eletrónica e para o segundo, a aplicação de prisão preventiva.
Concluindo-se assim que o trabalho que a GNR realiza através dos seus Núcleos de Investigação e Apoio a Vitimas Especificas no âmbito da investigação dos crimes de violência doméstica é de excelência, pelo que não será por motivo da investigação criminal que existe uma taxa de arquivamentos tão elevada, subscrevendo-se a opinião do coordenador na EARHVD para a necessidade de fomentar os julgamentos sumários, quando exista flagrante ou quase flagrante delito.
Por isso, aguarda-se que a proposta dessa medida seja incluída no relatório da “Comissão Multidisciplinar”, que integra representantes de vários ministérios, criada em 6 de março e que tinha até três meses, para produzir o referido relatório, que muito brevemente será apresentado, tendo em conta o artigo no Público de 8 de junho com o título “Comissão multidisciplinar falha prazo de entrega de relatório sobre violência doméstica”.