Opinião (José Lúcio/ Juiz): Balanço da escrita.


Ao fim de algum tempo dedicado a um mesmo exercício surge naturalmente a pergunta – e vale a pena?

José Lúcio

(Juiz Presidente da Comarca de Beja)

E assim, de cada vez que persisto nesta teimosia de comunicar com leitores que nem sei se tenho, assalta-me a consequente interrogação – será que vale a pena?

Confesso que não achei ainda uma resposta que me convença. Por vezes sinto que sim, alguém há-de ler e encontrar algum utilidade e acerto nos meus escritos, supondo que não sejam ineptos de todo. Outras vezes receio que não, os escassos leitores que por deferência e simpatia eventualmente me leiam certamente não vão descobrir aqui mais do que umas poucas evidências e outras tantas banalidades.

A escrita é um exercício naturalmente solitário, e nunca se sabe quem está do outro lado, se há alguém do outro lado, e o que será que pensa ou sente sobre o que nós pensámos, sentimos e tentámos dizer.

Escrevemos imaginando um diálogo, e nunca deixa de ser um monólogo.

O objecto das sucessivas tentativas tem sido sempre o mesmo, as coisas da Justiça, na multiplicidade de sentidos com que a expressão é utilizada, mas com incidência especial nos tribunais, e por vezes ainda mais especificadamente no Tribunal da Comarca de Beja. O objectivo também tem sido constante, procurar levar até um público mais alargado e normalmente afastado destes temas a realidade dos tribunais e genericamente as coisas do judiciário.

Numa palavra, contribuir para instalar no lugar relevante que lhe corresponde na opinião publicada (e daí na opinião pública) tudo o que se relaciona com a administração da justiça.

Pode dizer-se que é muita ambição para tão pequena empresa e empreendedor tão limitado. Aceita-se o diagnóstico, mas importa retorquir que é uma questão de escala. Cada um na sua esfera de acção pode certamente contribuir para objectivos globais que obviamente o transcendem. Não se lhe pode exigir mais, mas que faça a sua parte já não é mau. Tenho sempre presente o reparo insistente de alguém, indiscutível personalidade da nossa comunicação social, que na sequência de um debate sobre estas preocupações me repetia “nós temos necessidade de vos ouvir, nós temos necessidade de vos ouvir”.

Queria ele dizer, com boa fé e sinceridade, que no próprio seio da comunicação social muitas vezes causa grande perplexidade a situação paradoxal de saltarem para a primeira linha da actualidade noticiosa assuntos da vida judiciária com a maior relevância para a vida colectiva e não haver para os comentar ou esclarecer ninguém que não seja exterior ao universo judicial (em regra sem preparação e/ou com perspectivas pessoais que não se traduzem em informar ou esclarecer).

Por outras palavras, falta-nos quase sempre uma palavra de dentro – dizia-me esse meu conhecido, com a autoridade própria da sua experiência e responsabilidades na grande comunicação social. Nós sabemos que é assim: a Justiça é a grande muda, mesmo nos debates que a ela directa e imediatamente respeitam.

Desta forma não são de estranhar as distorções, as manipulações, a falta de rigor e esclarecimento com que frequentemente deparamos. A temática da justiça constitui campo livre para a ignorância, a demagogia e a má fé, juntas ou separadas.

Serão estas reflexões justificação suficiente para a continuidade de um esforço que, evidentemente, pode com grande probabilidade mostrar-se inglório? Não posso ignorar os riscos pessoais envolvidos  – isto de sair da zona de conforto, oferecer-mo-nos à exposição, tem muito que se lhe diga num meio em que por vezes o fazer de morto ainda é uma boa regra de sobrevivência.

Embora. Tudo pesado e sopesado, alguma compensação há-de haver. E se não houver, paciência – resta a consciência de ter tentado servir.

Confesso que me anima essa esperança de deixar contributo válido para aquilo que pode haver de positivo na nova visibilidade da justiça. Repetindo escrito antecedente, conforta-me a perspectiva de contribuir para que a temática dos tribunais e da justiça se torne mais familiar para os nossos concidadãos e desse modo todos possam conhecer-nos melhor.

Se em consequência puderem apreciar-nos mais, de certeza que ninguém poderá dizer que não valeu a pena.

(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)


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