Opinião (José Lúcio/ Juiz) As estatísticas da Justiça.


A publicação regular dos números referentes à movimentação processual nos tribunais portugueses vem demonstrando de forma insofismável a realidade de uma melhoria progressiva e sustentada.

José Lúcio

(Juiz Presidente da Comarca de Beja)

A cada novo período analisado corresponde uma notável diminuição do número dos processos e do tempo médio da sua resolução.

Paradoxalmente, esses indicadores ou são de todo ignorados ou são acolhidos com indisfarçável incomodidade. Nota-se nas reacções uma contrariedade geral: parece que seria mais conveniente a divulgação de indicadores em contrário. Mostrassem os números que os tribunais andavam cada vez menos e cada vez pior, somando processos aos processos e acumulando-os sem os resolver, e tudo estaria mais conforme às narrativas vulgarizadas.

Assim, sendo como é, estamos perante uma séria perturbação para as ideias feitas (as ideias feitas, como se sabe, caracterizam-se precisamente por há muito terem deixado de ser pensadas).

E todavia não há volta a dar-lhe. Os tribunais portugueses demonstram em cada período que se analise, nestes últimos anos, uma capacidade de resposta que tem permitido de modo persistente não só fazer frente à procura registada nesses mesmos períodos como também abater fortemente passivos vindos de trás.

Para voltar a encontrar abundante exemplificação vejam-se os dados divulgados pela Direcção Geral de Política de Justiça (www.dgpj.mj.pt) no passado dia 30 de Abril.

Extraio algumas observações desses documentos.

Indagando sobre o número de processos pendentes nos tribunais judiciais de primeira instância no ano de 2017 e a taxa de resolução processual nesse período, começa por constatar-se que no ano em causa, não considerando os dados dos tribunais de execução de penas, o número de processos pendentes decresceu cerca de 13,2%.

 A 31 de Dezembro de 2017 o número de processos pendentes nos nossos tribunais judiciais de primeira instância era ainda de 983.610, mas no início do ano havia mais 149.465.

A taxa de resolução processual, que mede a capacidade do sistema num determinado período para enfrentar a procura verificada no mesmo período, foi em 2017 de 128,2% sendo o quinto ano consecutivo com taxa de resolução processual de valor positivo.

Deste modo, no que respeita ao movimento global de processos entrados e findos nos tribunais portugueses de primeira instância no ano de 2017, temos que o número de processos findos foi novamente muito superior ao número de processos entrados.

O saldo favorável de 149.465 processos implicou o decréscimo da pendência em cerca de 13,2 %, sendo que 2017 foi, repete-se, o quinto ano consecutivo em que se verificou uma redução do número de processos pendentes.

Estas tendências ocorrem nas mais diversas áreas processuais, com especial destaque para a justiça cível mas não deixando de acontecer também na área penal (e diga-se que no ano de 2017 até na jurisdição administrativa e fiscal, consensualmente apontada como mais problemática, ocorreu alguma melhoria, obviamente insuficiente mas que deve também ser registada).

Se pesquisarmos nos documentos publicados pela DGPJ, que estão à disposição de todos, facilmente encontramos uma multiplicidade de afirmações que poderiam ser trazidas para aqui em reforço do que ficou dito.

Assim, no quarto trimestre de 2017, o número de ações executivas cíveis pendentes decresceu cerca de 12,5%, sendo a taxa de resolução processual de 173,6% e sendo este o vigésimo primeiro trimestre consecutivo com taxa de resolução processual superior a 100%.

No referente a processos de insolvência, processos especiais de revitalização e processos especiais para acordo de pagamento verifica-se que em 2017 o número de processos pendentes no final do quarto trimestre apresenta uma diminuição face ao valor registado no final do quarto trimestre de 2016 no valor de menos 11,6%. Relativamente à duração média destes processos, considerando o tempo decorrido entre a sua entrada e a decisão, ou seja, a declaração de insolvência ou análoga, verificou-se uma tendência de decréscimo acentuado: a duração média destes processos era de 9 meses no quarto trimestre de 2007 e apresentava no quarto trimestre de 2017 uma duração média de menos de apenas 2 meses.

Mesmo na jurisdição administrativa e fiscal, sempre apontada por razões negativas que são conhecidas, pode observar-se que em 2017 o número de processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais de primeira instância registou um decréscimo (menos 1,7% a 31 de Dezembro de 2017 do que a 1 de Janeiro no mesmo ano) correspondente a uma taxa de resolução processual de 105,0%.

Pode retorquir-se, com razão, que muito resta por fazer e não podemos dar-nos por satisfeitos. Concordo, desde que essa insatisfação seja o equivalente daquele inconformismo que nos leva a tentar fazer sempre melhor. Que seja daquele inconformismo que constrói. Não se pode confundir esse sentimento que instiga à superação constante com aquele outro bem diferente que consiste em comprazer-se no negativismo, na maledicência, no impulsivo destrutivo que só encontra amparo na lamúria e conforto no que está mal, reagindo com horror à simples perspectiva de algo estar a melhorar.

(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)


Share This Post On
468x60.jpg