Pretendo com o presente artigo, e o próximo, sintetizar as discussões e contribuir para uma reflexão crítica sobre políticas públicas e práticas comunitárias na área da prevenção criminal, tendo por base o documento “Preventing Youth Recruitment into Organised Crime”, da autoria da EUCPN (European Crime Prevention Network) e da ENAA (European Network on the Administrative Approach to Prevent and Tackle Organised Crime).
Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda
O envolvimento de jovens em redes criminosas constitui um dos maiores desafios para a segurança e coesão social no contexto europeu e global, tendo vindo o crime organizado, pela sua natureza transnacional, adaptável e lucrativa, a procurar novas formas de perpetuar-se, sendo uma das estratégias mais eficazes o recrutamento de indivíduos em idade jovem, que se encontram frequentemente em situações de vulnerabilidade social, económica ou psicológica, e por isso são alvos fáceis para estruturas criminosas que oferecem pertença, status e rendimento rápido, procurando o documento “Preventing Youth Recruitment into Organised Crime” discutir de forma aprofundada os fatores de risco associados, os mecanismos de aliciamento e, sobretudo, as estratégias de prevenção.
A análise dos fatores que contribuem para o recrutamento de jovens evidencia uma forte interligação entre dimensões individuais, familiares e comunitárias, verificando-se na dimensão individual que estudos recentes indicam que 90% dos jovens suspeitos em crimes ligados a drogas são do sexo masculino, o que demonstra uma clara dimensão de género, sendo que entre os principais fatores de risco individuais encontram-se: a impulsividade e procura de experiências de risco, a baixa autoestima e necessidade de afirmação perante os pares, o historial de consumo precoce de substâncias e as dificuldades escolares e abandono precoce.
Estes elementos refletem fragilidades no desenvolvimento psicossocial, muitas vezes exploradas por grupos criminosos que oferecem uma narrativa de poder, reconhecimento e rápida ascensão social.
Na dimensão familiar e dos pares, verifica-se um papel da família determinante na prevenção, mas também pode constituir um risco, devido à ausência de supervisão parental, contextos de violência doméstica ou negligência, ao criarem condições favoráveis ao aliciamento, sendo para além disso, a influência de pares já envolvidos em atividades ilícitas tende a reforçar a normalização de comportamentos desviantes, porque os jovens que procuram referências fora da esfera familiar acabam muitas vezes por encontrar nos grupos criminosos a “família” que lhes falta.
No âmbito da dimensão comunitária, constata-se que o contexto comunitário pode funcionar tanto como fator de proteção quanto de risco, porque em bairros marcados por exclusão social, desemprego elevado e ausência de oportunidades de mobilidade ascendente tornam-se terrenos férteis para a atuação do crime organizado, onde a baixa confiança nas instituições, sobretudo nas forças policiais, agrava a perceção de ausência de alternativas legítimas para o futuro.
O recrutamento de jovens não se faz de forma homogénea, mas através de múltiplas estratégias que se adaptam às vulnerabilidades de cada indivíduo ou grupo, recorrendo as redes criminosas a práticas de enganos, chantagem, abuso verbal, servidão por dívidas, violência física e grooming (aliciamento), cujos mecanismos visam quebrar resistências iniciais, criando laços de dependência psicológica ou financeira difíceis de romper.
Um fenómeno crescente é a utilização de plataformas digitais e videojogos como canais de aproximação, com recurso ao Discord, verificando-se que segundo dados de 2024 revelam que 69% das crianças entre 6 e 10 anos, 85% dos adolescentes entre 11 e 14 anos e 83% dos jovens entre 15 e 24 anos utilizam videojogos regularmente, tornando-se este ambiente virtual uma oportunidade para aliciadores estabelecerem contacto sob anonimato, explorando vulnerabilidades emocionais ou oferecendo recompensas dentro e fora do jogo.
As redes sociais amplificam este risco, permitindo que a glamourização (tornar atraente ou desejável) da criminalidade, sendo apresentados carros de luxo, dinheiro rápido e vida de status como uma alternativa viável, especialmente para jovens em contextos de exclusão social.
Depois identificarmos quais os fatores de risco e os mecanismos de aliciamento dos jovens para entrarem nas redes criminosas, no próximo artigo iremos apresentar quais as estratégias de prevenção do recrutamento juvenil.
Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.