O “Dia Mundial da Criança” é uma excelente oportunidade para se relembrarem as crianças e jovens em perigo em Portugal, com a divulgação do “Relatório Anual da Avaliação da Atividade das CPCJ’s – 2022”, publicado na semana passada e que resume todo o trabalho das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ’s) no ano de 2022.
Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Aproveita-se a oportunidade para dar destaque a algumas estatísticas, constantes no referido Relatório, e relembra-se o importante e imprescindível papel que as Forças de Segurança (FS) desempenham no “Sistema de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo”, a partir de agora denominado por Sistema de Proteção e que existe em Portugal há 22 anos.
Começamos dando conta, que no ano de 2022 foram acompanhadas pelas CPCJ’s, 74 191 crianças e jovens, verificando-se “uma tendência crescente do número de crianças e jovens com Processos de Promoção e Proteção ao longo dos anos, com maior expressão no ano em avaliação, onde ocorreu um aumento de 6,4% de crianças e jovens acompanhadas, em comparação com o ano anterior”, podendo este aumento ser um indicador de que as instituições estão mais despertas para a problemática, denunciando todas as situações de quem têm conhecimento ou quem tem a guarda de crianças está menos protetora e mais negligente.
No que diz respeito às situações de perigo que obrigam à sinalização das crianças ou jovens, conclui-se que é a Violência Doméstica (VD), com 31,6% a mais representada, logo seguida pela Negligência, com 27,8%, representando aproximadamente ambas as tipologias quase 60% de todas as situações de perigo sinalizadas às CPCJ’s, verificando-se que na categoria de VD é a “exposição à violência doméstica” aquela que mais vezes é sinalizada, representando 98%. É importante referir que foi em 2019 a primeira vez que a VD ultrapassou a Negligência, tendo nesse ano as percentagens sido 28,86% e 28,59%, respetivamente, facto que poderá ter como explicação a obrigatoriedade das FS terem de sinalizar todas as crianças que assistam as atos de VD, devendo a identificação das crianças ou jovens constar no Auto de Noticia e ser elaborada a respetiva Ficha de Sinalização para as CPCJ’s.
Relativamente às entidades que mais sinalizações fazem, constata-se que são as FS as que mais crianças e jovens sinalizam às CPCJ’s, tendo sido responsáveis por 20 488 sinalizações, o que representa 41,3% de todas as sinalizações, mantendo-se a tendência que se verifica desde 2015, sendo até esse ano os estabelecimentos de ensino que mais sinalizações faziam, tendo no ano realizado 9 086 sinalizações, menos de metade da FS.
Analisando mais em pormenor os dados das FS, conclui-se que 51,5% das sinalizações respeitaram a situações relativas a VD, sendo este mais um indicador que o fenómeno da VD, não só é o crime que mais destaque teve em Portugal no ano de 2022, conforme é referido no RASI 2022, como também é o fenómeno criminal, que mais expõe as crianças e jovens ao perigo, pelo que é urgente tomarem-se medidas de combate à VD, tal como as que propomos no nosso artigo “Violência Doméstica: a nossa sina”.
Assim, facilmente se conclui pela importância das FS no Sistema de Proteção implementado pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), que entrou em vigor em janeiro de 2001, tendo sabido ao longo destes 22 anos responder às solicitações do Sistema de Proteção e da comunidade, de forma adequada e eficaz.
A imagem que melhor representa o Sistema de Proteção é uma pirâmide, onde na sua base se encontram as instituições de 1ª linha, as chamadas entidades com competência em matéria de infância e juventude e que realizam a primeira intervenção, sendo nessa fase uma intervenção consensual entre as referidas instituições e as famílias. No segundo patamar encontram-se as CPCJ’s, sendo a sua intervenção consentida, mediante assinatura de um Plano de Promoção e Proteção entre as CPCJ’s e as famílias. E no terceiro patamar essa intervenção é impositiva, encontrando-se neste patamar os Tribunais, intervindo unicamente quando todas as instituições atrás falharam na protecção ou as famílias se opuseram à intervenção das CPCJ´s.
Verifica-se que a intervenção das FS no Sistema de Proteção é transversal a toda a pirâmide, intervindo em todos os três patamares, no desempenho de duas das suas funções mais importantes: a social e a jurídica, constituindo-se como entidade de 1ª linha, quando desempenham funções sociais, no âmbito da prevenção; no segundo patamar como integrante de pleno direito das CPCJ´s; e no terceiro patamar como coadjuvante do Ministério Público, na qualidade de Órgão de Policia Criminal (OPC), na investigação dos crimes associados às situações de perigo.
Presentemente existem de 311 CPCJ’s instaladas, estando as FS representadas em todas as Comissões Alargadas, encontrando-se também na maioria das Comissões Restritas, onde acompanham o cumprimento das medidas de promoção e proteção aplicadas às crianças, que vão desde a menos gravosa que é o apoio junto dos pais, à mais gravosa que é o acolhimento em instituição, sendo a adoção a única medida que as CPCJ’s não podem aplicar, cabendo a sua aplicação, unicamente aos Tribunais.
Conforme já referido as FS são a entidade que mais crianças em perigo sinalizam às CPCJ’s, representando estes dados só por si a grande importância que as FS têm no Sistema de Proteção, quer seja na sinalização, quer no acompanhamento das crianças, conhecendo a realidade social da comunidade e das famílias, como nenhuma outra instituição conhece.
Por último importa referir o papel fundamental, que as FS têm na retirada de crianças que se encontrem em perigo atual e iminente e exista oposição dos pais, cuja intervenção na aplicação dos procedimentos de urgência é essencial e imprescindível, tendo no ano de 2022 sido aplicados 223 procedimentos de urgência (o famigerado art.º 91.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).
As FS desde a entrada em vigor do Sistema de Proteção adequaram o modelo de policiamento, fundamental para que possam responder aos atuais desafios colocados na proteção das crianças em perigo, constituindo linhas prioritárias da sua atuação: a promoção duma política integrada de prevenção e contenção da criminalidade; o fortalecimento de parcerias locais com organismos governamentais, autarquias locais e sociedade civil, tendo em vista uma abordagem mais eficaz à especificidade de cada comunidade; fomentar a responsabilidade e a participação dos cidadãos. Tendo também nesse âmbito as FS constituído várias valências e programas para melhor responder ao problema.
Pelo atrás exposto conclui-se que as FS são entidades que dão um importante contributo na promoção e proteção de todas as crianças e jovens em perigo, tornando o Sistema de Proteção mais eficaz e eficiente.