Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): DESAPARECIDOS NOS INCÊNDIOS, A OUTRA TRAGÉDIA.
Da leitura do artigo, do Público de 23 de junho “Governo não sabe quantas pessoas estão desaparecidas” e do artigo “PJ diz que ainda há doze desaparecidos do fogo de Pedrógão” (sem link disponível), do Jornal de Notícias do dia 24 de junho, ficámos a saber que ainda existem pessoas desaparecidas, em consequência dos incêndios de Pedrógão Grande.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
No artigo do Público é referido que o Ministério da Administração Interna (MAI) admite desconhecer o número de pessoas desaparecidas e no artigo do JN consta que a Policia Judiciária (PJ) tinha, até á tarde do dia 23 de junho, registado o desaparecimento de 12 pessoas em resultado dos incêndios de Pedrógão Grande.
Já sobre as vítimas mortais a PJ refere que esse número pode aumentar nos próximos dias, sendo a boa notícia, é que todas as 64 vítimas mortais localizadas até ao momento, já foram identificadas, e o número de feridos fixou-se em 254.
Com a identificação das 64 vítimas mortais e dos 254 feridos, é agora possível efectuar o cruzamento dos mortos e feridos com os desaparecidos, de modo a afinar o número de desaparecimentos, sendo que os trabalhos de localização decorrem desde o primeiro dia, pelas diferentes entidades que se encontram no terreno, cabendo à GNR bater as aldeias uma a uma, de acordo com o artigo do JN.
Desde o dia 17 de junho que as autoridades se preocupam em identificar todas as vítimas e localizar os desaparecidos dos incêndios de Pedrógão Grande, e apesar de serem ambos os processos demorados e complexos, o Instituto de Medicina Legal conseguiu passados seis dias da tragédia proceder à identificação das 64 vítimas mortais, tendo inclusive recorrido à comparação do ADN em 18 dos cadáveres, sendo que das 64 vítimas mortais, 45 foram já entregues às respetivas famílias, encontrando-se os restantes em condições também de serem levantados.
No que diz respeito aos desaparecidos, conforme atrás referido, ainda não foram localizadas 12 pessoas, sendo esse facto uma preocupação para as autoridades e um acréscimo de sofrimento para as suas famílias, porque desconhecem se estão vivos ou mortos, sendo sinónimo de angústia e crises psicológicas, com a agravante de não poderem fazer o luto. O desconhecimento do paradeiro de entes queridos deixa as respectivas famílias a braços com a incerteza, não existindo oportunidade para cerimónias fúnebres e início do luto. Sobre este assunto sugerimos uma leitura ao manual “Living with absence – Helping the families of the missing” da autoria do Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Por várias vezes tive oportunidade de abordar o tema do desaparecimento de pessoas aqui no LN, tendo a primeira vez sido no artigo com o título “Criança desaparecida: Uma criança, várias definições”, no dia 25 de maio de 2015, onde se pretendeu dar a conhecer o estudo denominado “Missing children in the European Union: Mapping, data collection and statistics” datado de 2013 e que apresenta os resultados do trabalho desenvolvido pelos 27 Estados-Membros da UE no âmbito do desaparecimento de crianças, no dia 2 de junho de 2015 abordámos o tema das “Pessoas desaparecidas e o ‘mito das 24 horas’” e no 1 de dezembro de 2015 foi a vez de tratarmos o assunto do “Desaparecimento de idosos”.
Em todos os artigos demos conta que em situações normais, o desaparecimento, seja de uma criança, de uma pessoa maior de idade ou de um idoso, são ocorrências complexas que necessitam de ser enquadradas e identificadas corretamente, nomeadamente do ponto de vista criminal, sendo que em situações extremas, como são os desastres naturais, onde os incêndios se incluem, maior é a complexidade e a dificuldade.
Em resultado de um qualquer desastre natural, como um terramoto, inundação, desabamento, tsunami, furacão ou incêndio existem vítimas, que podem nunca vir a ser encontradas, vivas ou mortas, e infelizmente existem vários exemplos dessas situações.
Tendo em conta que o desaparecimento de pessoas, nessas situações extremas, não ser um assunto do qual tenhamos muita familariedade, pretendemos no entanto relembrar quais são os procedimentos a cumprir pela GNR, sempre que tem notícia de um desaparecimento, que basicamente serão os procedimentos que estarão a ser cumpridos no caso das pessoas desaparecidas nos incêndios de Pedrógão Grande.
Sendo a GNR a autoridade policial territorialmente competente na área dos incêndios de Pedrógrão Grande, caberá à GNR a obrigação de iniciar os procedimentos e as diligências que conduzam à sua localização, no mais curto espaço de tempo possível, de todas as pessoas desaparecidas, apesar de poder estar na base dos desaparecimentos, a prática de um qualquer tipo de crime, sendo por esse facto, que a investigação desta ocorrência estar entregue à PJ. Relembra-se que estando em causa uma criança desaparecida deverá sempre presumir-se que existe perigo para a sua vida ou integridade fisica, mesmo não havendo existência de crime.
Em situações normais de desaparecimento de pessoas, o início das diligências que conduzam à sua localização, não se encontra limitada por qualquer prazo temporal, sejam 24, 48 ou 72 horas, pelo que a GNR comunica esse facto de imediato a todo o seu disposivo, informando também todas as restantes forças e serviços de segurança, para que a informação chegue a todo o território nacional.
No terreno os operacionais deverão conhecer a rotina habitual da pessoa desaparecida, recolhendo informação sobre as suas deslocações normais, sendo estabelecido um perímetro, maior o menor consoante o tempo do desaparecimento, iniciando-se a atuação o mais rapidamente possível. Solicita-se a colaboração das corporações de bombeiros locais e da população, em especial daqueles que conhecem a pessoa desaparecida e o teatro de operações, que atuarão sob as ordens do Comandante Territorialmente competente, constituindo-se para o efeito equipas de busca, reforçadas por binómios cinotécnicos.
Recorre-se ainda às tecnologias, nomeadamente a localização celular do telemóvel, assim como aos Órgãos de Comunicação Social (OCS), que podem ter um papel preponderante na localização de pessoas desaparecidas.
Em qualquer situação o desaparecimento de uma pessoa é causa de enorme angustia para os seus familiares, provocando graves danos psicológicos, que se agravam, quanto maior foi o período de ausência, pelo que em situações trágicas como foram os incêndios de Pedrógão Grande, o desconhecimento do paradeiro de 12 pessoas, representa uma tragédia, que perdura mesmo após a extinção das chamas, não podendo as famílias recomeçar as suas vidas, até que sejam encontrados, mortos ou vivos.