Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): O PERÍODO CRÍTICO É QUANDO A NATUREZA QUISER.
Tendo em conta os trágicos incêndios ocorridos no último sábado, dia 17 de junho, em Pedrógão Grande, que causaram a morte a 63 civis e 1 bombeiro, e ferimentos a outros 121, 12 bombeiros e um militar da GNR, é com um sentimento de pesar que abordamos novamente o assunto dos incêndios florestais aqui no LN.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
A primeira vez que abordámos este assunto foi no dia 30 de junho de 2015 no artigo com o título “Incêndios florestais”, depois em 29 de junho de 2016 no artigo “Incêndios, GIPS e Serra D’Ossa” e em 17 de junho de 2017 no artigo “Incêndios: Prioridade aos Combatentes!”.
Não pretendo com este artigo apontar as falhas, que seguramente ocorreram, e que concorreram para que os incêndios de Pedrógão Grande tenham tido as trágicas consequências, por todas nós já conhecidas, e que o artigo com o título “O que é que falhou neste sábado? Tudo, tal como falha há décadas” do Público do dia 18 de junho, tenta elencar.
O artigo referido não é o único que podemos encontrar numa rápida pesquisa na internet, que identifica as falhas que terão estado na origem dos mais trágicos incêndios florestais de que há memória.
Para começar sabemos que foi uma “trovoada seca” que esteve na origem dos incêndios conforme deu eco a peça da SIC do dia 18 de junho “Trovoada seca apontada como principal causa do incêndio”.
E no que diz respeito às falhas o Observador diz que foi o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) que falhou, conforme referido no artigo de 18 de junho, com o título “SIRESP. As polémicas do sistema de comunicações que falhou (outra vez)”.
Através da peça da RTP no dia 18 de junho denominada “Tudo aponta para uma ‘falha total do sistema de Proteção Civil’, alerta Paulo Fernandes”, é possível ouvir Paulo Fernandes, do departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro dizer que houve uma “falha total do nosso sistema de proteção civil”.
Na peça da Rádio Renascença, de 19 de junho, com o título “O diagnóstico já estava feito antes da tragédia de Pedrógão Grande”, ficámos a saber que especialistas apontam o eucalipto, o abandono e a falta de ordenamento do território como potenciadoras da tragédia de Pedrógão Grande.
Ou seja, conclui-se que nestes trágicos incêndios estiveram, mais uma vez, todas as causas que recorrentemente são apontadas todos os anos e já identificadas em diversos relatórios, como é o caso do Relatório “Os grandes incêndios florestais e os acidentes mortais ocorridos em 2013” da autoria do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, do Departamento de Engenharia Mecânica, da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade de Coimbra, que foi elaborado por motivo dos graves incêndios do ano de 2013, que ficou registado como o terceiro mais gravoso deste século, logo seguir aos anos de 2003 e de 2005, no que diz respeito à área ardida, mas o pior devido à perca de 11 vidas humanas, que ocorreram durante o combate aos terríveis incêndios que se verificaram nesse ano.
No referido Relatório os seus autores indicam como principais recomendações, que os Grupos de Reforço de Ataque Ampliado (GRUATA) e os Grupos de Reforço para Incêndios Florestais (GRIF), tenham mais formação com outras corporações, fora da época de incêndios e que a “Ordem de Missão” lhes seja fornecida à sua chegada, assim como lhes seja atribuído um “Guia Local”, de modo a facilitar a deslocação no desconhecido Teatro de Operações, sem perca de tempo. Também recomenda que se cumpra a legislação no que diz respeito à limpeza da floresta e das faixas de gestão de combustíveis, referindo que as situações de incumprimento são raramente punidas, sendo ainda recomendado que se faça uma reflexão profunda sobre o uso do fogo tático (contrafogo).
Parece-nos que estas recomendações foram acolhidas pelas várias entidades que dão corpo aos três pilares da Defesa da Floresta Contra Incêndios: a Prevenção Estrutural; a Vigilância, Deteção e Fiscalização; e o Combate, Rescaldo e Vigilância Pós-incêndio. Sabemos que no âmbito da vigilância e da detecção, a GNR realiza diversas ações de sensibilização, nomeadamente através da “Operação Ignição Zero” e da “Operação Floresta Segura”, procedendo ainda à fiscalização do cumprimento do DL 124/2006 de 28 de junho, no que diz respeito à limpeza da floresta e das faixas de gestão de combustíveis, tendo tido como resultado a fiscalização de grande parte do território nacional.
E no âmbito da intervenção nos incêndios verificamos que foram introduzidas novas formas de combate, como por exemplo o “Ataque Ampliado” ou como alguns gostam de lhe chamar “Ataque Musculado”, que é desenvolvido com recurso ao reforço de meios de corpos de bombeiros vizinhos, assim como foi reforçada a formação dos corpos de bombeiros, tendo os seus elementos recebido ainda equipamento de proteção individual, nomeadamente novas fardas e botas ignífugo, e abrigos portáteis, que usados em situações de emergência podem salvar vidas.
Mas todas estas medidas foram implementadas com o objectivo de fazer face à fase mais crítica, denominada de Fase Charlie, do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF), que só se inicia no dia 1 de julho, terminando a 30 de Setembro, conforme estipulado pela “Diretiva Operacional Nacional nº 2” (DON2), da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e que aprova o DECIF 2017, tendo os incêndios de Pedrógão Grande ocorrido assim durante a Fase Bravo, pelo que terá sido por essa razão que atingiu tão grandes proporções.
Apesar de todas as falhas atrás apontadas, estamos em crer que estes incêndios não teriam tido as trágicas consequências, se os mesmos tivessem ocorrido durante a Fase Charlie, pelo que concordamos com aqueles que defendem que a existência de Fases não faz qualquer sentido. Como dizemos no título, que o Período Crítico é quando a natureza quiser, verificamos que neste últimos estes dias estiveram reunidas todas as condições climatéricas, para que fosse considerado como período crítico, devendo por isso sido implementadas todas as medidas que seriam tomadas caso estivéssemos na Fase Charlie, referindo como exemplo uma dessas medidas que é a “Vigilância Armada”.
A “Vigilância Armada” é implementada sempre que o Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) emita alerta amarelo ou superior as equipas de primeira intervenção entram em vigilância armada, preposicionando-se nos Locais Estratégicos de Estacionamento (LEE), conforme vem descrito nos “Procedimentos para Vigilância, Primeira Intervenção, Apoio ao Combate, Rescaldo e Vigilância pós-Incêndio” da Autoridade Florestal Nacional, datado de março de 2012.
E através do Anexo 31 (Equipas de Sapadores Florestais do Dispositivo Integrado de Prevenção Estrutural (DIPE) – Procedimentos de atuação durante o período crítico), da DON2, verificamos que os LEE são guarnecidos por equipas com Equipamento Proteção Individual, Equipamento Manual Sapador e Equipamento Hidráulico, das 11H30 às 19H30, todos os dias do Período Crítico e sempre que seja emitido alerta amarelo ou superior.
Ou seja, se não existissem as diversas fases que a DON2 prevê, Alfa, Bravo, Charlie e Delta, e que dividem o ano civil em quatro, sem terem em conta que as condições climatéricas adversas podem ocorrer em qualquer altura do ano, estamos em crer que os incêndios de Pedrógão Grande não tinham sequer começado, tendo sido debelados logo no seu início, quando ainda eram só uma árvore a arder.