Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): PEÇO JUSTIÇA.


Para quem já esteve numa audiência de julgamento de certeza que já ouviu, pelo menos uma vez, a frase “peço justiça”, quase sempre proferida pelos advogados de defesa, que por falta de argumentos, nada mais têm a dizer em defesa do réu, e que agora, mais por falta de palavras, do que de argumentos, também dizemos peço justiça.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Várias foram as decisões judiciais que chegaram ao conhecimento da opinião pública na semana passada, que nos põem a refletir sobre se foi ou não feita justiça, sendo o primeiro exemplo disso, o caso relatado por vários OCS, nomeadamente pelo Correio da Manhã de 23 de janeiro no artigo denominado “Agarrar o pescoço não é violência doméstica, pela TVI24 de 23 de janeiro na peça “Tribunais divergem em alegado caso de violência doméstica”, pelo Expresso de 25 de janeiro num artigo de opinião da autoria de Paula Cosme Pinto com o título “Se não tem nódoas negras, não é violência doméstica” e na peça da TSF do dia de 23 de janeiro com o título “Tribunal de Évora: Agarrar pelo pescoço e empurrar não é violência doméstica”, onde é referido que “o Tribunal da Relação de Évora absolveu em dezembro um homem condenado pelo crime de violência doméstica, depois de concluir que atos como agarrar a vítima pelo pescoço não perfazem maus-tratos”, num caso em que o arguido foi condenado em junho de 2015 pelo Tribunal de Vila Viçosa, a dois anos e dois meses pelo crime de violência doméstica, tendo a pena sido suspensa mediante submissão a tratamento para a dependência do álcool. Vindo agora o Tribunal da Relação de Évora proferir o acórdão de absolvição com base em “não é, pois, do mero facto de o arguido consumir bebidas alcoólicas, ou de tomar uma ou outra atitude incorreta para com a ofendida (por exemplo, ir ‘tirar dinheiro’ da carteira desta), ou de, numa ocasião, após um insulto da ofendida, ter agarrado o pescoço desta com uma mão (…), que podemos concluir pela existência de um maltrato da vítima, no sentido tipificado no preceito incriminador da violência doméstica”.

Esta decisão é contrariada pelos peritos, podendo-se na peça da TSF conhecer a posição do porta-voz da APAV, Daniel Cotrim, que “lamentou que transpareça ‘a ideia geral ainda de que a violência doméstica se confunde com outras coisas’, acrescentando que “tudo aquilo que acontece no seio da vida familiar e que esteja relacionado com vitimização e com crime, é obviamente, violência doméstica… e que a justiça portuguesa segue ‘um padrão de minimizar’ as situações que possam estar relacionadas com violência doméstica, referindo que ‘se não houver homicídio ou tentativas de homicídio, dentro das situações, elas continuam a ser extremamente desvalorizadas’”. Também a opinião do Secretário-Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, João Paulo Raposo foi ouvida pela TSF, referindo que “admite que a lei é volátil e com ‘conceitos muito abrangentes’, aberta a interpretações que podem ir da ofensa à integridade física ao crime de violência doméstica.”.

Este assunto contínua a suscitar debate e por isso o Diário de Noticias de 31 de janeiro dá-lhe destaque no artigo com o título “Violência doméstica: nos tribunais, cada cabeça sua sentença”, onde o “caso do Tribunal da Relação de Évora” é dado como exemplo para explicar porque o provérbio “Cada cabeça sua sentença” assenta na perfeição aos processos de violência doméstica que chegam aos tribunais, sendo essa uma das principais conclusões do Observatório Permanente da Justiça no “Estudo avaliativo das decisões judiciais em matéria de violência doméstica”, que será publicado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

Por coincidência ou não, no dia 26 de janeiro, foi a vez de chegar da Rússia a notícia de que os Deputados daquele país aprovaram um projeto de lei, que prevê que os suspeitos da prática do crime de violência doméstica, não sejam penalizados se a vítima não precisar de receber tratamento hospitalar, tendo o Diário de Noticias desse mesmo dia, dado destaque a esse assunto no artigo com o título “Rússia cada vez mais perto de despenalizar violência doméstica”, onde se pode conhecer a opinião do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que citado pela BBC referiu congratular-se pela aprovação da proposta, dizendo que “é importante distinguir entre as ‘relações familiares’ e os incidentes de violência repetidos. Sem nenhuma dúvida que é preciso uma regularização legal que crie um obstáculo à violência doméstica. Mas também não se podem equiparar casos menores a violência familiar”, acrescentando o Deputado russo Andreï Issaïev que ”foi um voto histórico, porque em alguns países o papel do Estado na vida familiar ultrapassa todos os limites”. No outro lado da barricada está o advogado especializado em violência de género Mari Davtian que considerou a nova lei “um absurdo” e que “as vítimas devem reunir todas as provas de espancamento e ir a todos os locais em tribunal para o provar. É um absurdo” levando a que “em 90% dos casos as vítimas não vão fazer qualquer denúncia, porque o procedimento é muito complicado e porque o agressor é alguém que está na própria casa”.

Apesar de à primeira vista podermos pensar que ainda estamos muito longe da realidade russa, parece-me que ambas as situações terão o mesmo resultado, porque se na primeira situação foram os Tribunais portugueses que desvalorizaram condutas que os peritos consideram ser criminosas, essa desvalorização no caso da Rússia foi feita pelos seus Deputados, tendo nas vítimas, portuguesas e russas, a mesma grave consequência: a não denúncia das agressões de que são vítimas.

Outro caso onde parece não ter sido feito justiça foi o noticiado por vários OCS, nomeadamente pelo Sol de 26 de janeiro no artigo “Mulher filmada a encomendar morte do marido foi absolvida”, e pelo Jornal de Noticias no dia 26 de janeiro com o título “Mulher filmada a encomendar morte do marido foi absolvida”, que davam conta da absolvição de uma mulher que foi filmada a encomendar a morte do marido, estando ainda acusada de duas tentativas de homicídio e que “os juízes do Tribunal de S. João Novo, no Porto, deram como provado que a arguida encomendou a morte de António Quintas, mas que tudo não passou de uma tentativa de instigação”.

Ou seja, desejar a morte a alguém não é crime, mesmo que ofereça 175 mil euros, a terceira pessoa para o fazer, tendo o mesmo filmado o contrato e o denunciado às autoridades, e por isso feito prova que queria a morte do marido, facto que ainda assumiu no Tribunal, referindo que só queria a “morte dele”, negando no entanto que o objetivo fosse herdar a sua fortuna, avaliada em milhões de euros. Concluindo-se assim que a arguida não tinha qualquer motivação monetária para querer o marido morto, bastava-lhe que o mesmo deixasse de respirar, porque sim, e para isso contratou um “assassino”, não tendo esta conduta sido considerada como acto preparatório de um crime, porque afinal contratou as pessoas erradas. Já não há profissionalismo no mundo dos assassinos.

Outro crime que se conheceu agora o desfecho foi o da fuga dos cidadãos argelinos no aeroporto Huberto Delgado, que tivemos oportunidade de aqui abordar nos artigos “Segurança nos aeródromos e aeroportos nacionais” e “Insubordinação, argelinos em fuga e homicídios”, tendo o assunto já sido motivo para paródia, na rúbrica humorística da autoria de Ricardo Araújo Pereira denominada “Mixórdia de temáticas”, do programa “Manhãs da Comercial”, da Rádio Comercial, com o título “Segunda Circular seduz argelinos. Turismo na conhecida via rápida”. Soube-se agora que todos os argelinos foram absolvidos pela prática de vários crimes, conforme os artigos do Correio da Manhã de 27 de janeiro com o título “Argelinos que fugiram do aeroporto foram absolvidos” e do Observador de 27 de janeiro denominado “Argelinos que fugiram do aeroporto de Lisboa foram absolvidos”, deram a conhecer, tendo o Tribunal de Lisboa absolvido os dois argelinos que tinham fugido do aeroporto Humberto Delgado considerando “que do depoimento das testemunhas e da matéria constante nos autos nada resulta que os arguidos tenham cometido os crimes de atentado à segurança de transporte e introdução em lugar vedado ao público”. O artigo citando a juíza refere ainda que apesar do alarme social causado pela fuga e ser esse comportamento censurável, não chega para condenar os arguidos dos crimes de que estão acusados, tendo os mesmos sido absolvidos da prática dos crimes de atentado à segurança de transporte e introdução em lugar vedado ao público, sendo que, relativamente a este, o procedimento criminal encontrava-se extinto, porque a ANA não apresentou queixa.

O julgamento realizou-se na ausência dos arguidos, uma vez que ambos tinham já regressado ao seu país de origem, por isso, caso a justiça portuguesa os tivesse condenado, a pena seria a extradição, pelo que foi feita justiça, mesmo antes da decisão do Tribunal.

Terminamos o artigo, que já vai longo, para dar conta do desfecho da “novela” sobre as agressões de Ponte de Sor, em que são suspeitos os filhos do embaixador do Iraque, tendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros revelado agora, que o Iraque retirou o embaixador de Portugal e que decidiu não levantar a imunidade aos dois irmãos, conforme artigo do Observador de 19 de janeiro com o título “Iraque retira embaixador de Portugal: Processo judicial vai para lá, Bagdade”, numa altura em que o Ministério Público diz ter recolhido provas que mostram que os dois irmãos iraquianos agrediram o jovem de Ponte de Sor, de 16 anos, “com violência” e que “agiram com intenção de tirar a vida” à vítima, conforme artigo do Público de 19 janeiro com o título “Procuradora estava pronta a acusar filhos de embaixador se imunidade tivesse sido levantada”. Resta agora saber se o processo continua ou é arquivado, sendo que as opiniões dividem-se, conforme artigo do Observador “Caso Ponte de Sor. Processo em Portugal continua ou é arquivado?”, onde é referido que “O processo judicial que envolve os filhos do diplomata iraquiano que agrediram um jovem em Ponte de Sor deverá seguir no Iraque. Em Portugal o Ministério Público terá agora de decidir o arquivamento”.

Verifica-se assim que a família da vítima retirou a queixa, por considerar ter sido feita justiça, ao ter recebido a verba que considerou justa, que o MP reuniu prova bastante para acusar os suspeitos e que os suspeitos se encontram fora do país, concluindo-se que neste caso é praticamente impossível fazer-se a justiça dos tribunais.

 


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