Jaquelina Mendes pediu a absolvição dos 20 arguidos acusados de tráfico de seres humanos e prescindiu do prazo para recorrer da decisão do Tribunal. Procurador-geral Amadeu Guerra queria recorrer e decidiu instaurar um “procedimento de natureza disciplinar” visando a procuradora do MP de Beja.
A Procuradoria-geral da República decidiu instaurar um “procedimento de natureza disciplinar” contra Jaquelina Mendes, magistrada do Ministério Público de Beja. Esta informação é confirmada pelo gabinete de Amadeu Guerra e está relacionada com um dos maiores casos de tráfico de seres humanos que já foi investigado em Portugal e que acabou com uma estrondosa derrota para o MP em tribunal.
O caso rebentou em novembro de 2022 quando a Polícia Judiciária lançou uma operação que levou à detenção de dezenas de suspeitos de tráfico de seres humanos. A rede, alegadamente, explorava trabalhadores estrangeiros que eram distribuídos por explorações agrícolas no Alentejo onde trabalhavam sem condições e eram coagidos a pagar uma parte do que ganhavam aos suspeitos.
O processo começou a cair na fase de instrução dos 41 acusados pelo Ministério, só 18 foram a julgamento e acabaram todos por ser absolvidos.
Segundo o tribunal de Beja o que ficou provado em julgamento foi a violação de regras laborais pelos arguidos, como o facto de não terem pagado os montantes previamente acordados aos trabalhadores imigrantes. No entanto, ressalvou a juíza, citada pela agência Lusa, “não se provou o resto”, ou seja, que os arguidos angariaram, enganaram ou maltrataram trabalhadores. Por isso, foram absolvidos dos crimes de associação criminosa, tráfico de seres humanos e branqueamento de capitais.
A acusação é da procuradora Felismina Carvalho Franco, mas quem representou o MP no julgamento foi Jaquelina Mendes. Esta procuradora não só pediu a absolvição dos arguidos, como prescindiu do prazo para recorrer da decisão do tribunal.
Ignorando este facto, o Procurador-geral da República fez um despacho em que nomeava para o caso Felismina Carvalho Franco, uma procuradora com “elevado grau de especialização e experiência” no tipo de criminalidade investigada no processo, e com “profundo conhecimento dos factos, da prova recolhida e das questões jurídicas que no mesmo se colocam, o que a torna particularmente apta a analisar os fundamentos vertidos no acórdão que decidiu absolver os arguidos”.
A ideia era estudar um possível recurso. Mas como Jaquelina Mendes prescindiu do prazo para recorrer, o despacho tornou-se inútil. Esta procuradora enfrenta agora um possível processo disciplinar porque não terá informado a hierarquia da decisão de prescindir do prazo para recorrer.
Com esta decisão de Jaquelina Mendes, o caso terá transitado em julgado e já não é passível de recurso. Contactada pelo Expresso, não quis prestar qualquer esclarecimento.
Há um outro processo relacionado com este caso e que visa os arguidos que foram detidos mas não ficaram presos preventivamente. O MP recorreu da decisão instrutória que limpou grande parte dos crimes e a Relação de Évora ainda não decidiu se a procuradora Felismina Franco tem razão.
Fonte: Expresso