Juiz e Procurador “refrescam memória visual” do ex-comandante do Posto de Vila Nova de Milfontes. Nos vídeos exibidos em tribunal, sargento começou por não reconhecer nenhum dos implicados, mas “voltou atrás” e identificou os arguidos.
O então comandante do Posto Territorial da GNR de Vila Nova de Milfontes, Sargento Luís Robles, só identificou alguns dos arguidos envolvidos nos maus-tratos aos imigrantes indostânicos, apôs o presidente do Coletivo de Juízes o ter alertado para um comportamento pouco ético e do Procurador do Ministério Público ter mandado extrair uma certidão por falsas declarações.
Instado a identificar os seus comandados, através dos vídeos gravados na ocasião, onde os cidadãos asiáticos eram obrigados a fazerem flexões, polichinelos e levavam reguadas, o militar começou por não reconhecer nenhum dos sete arguidos que se sentam no banco dos réus. Depois do requerimento do Procurador pela discrepância de declarações entre as feitas à PJ em primeiro interrogatório quando confrontado com as imagens em que identificou todos os visados, ontem (quarta-feira) só depois da verberação do juiz que lhe lembrou que “ou mentiu à PJ ou está a mentir aqui”, se dispôs a ver de novo as imagens.
O juiz presidente do Coletivo de Juízes foi mais longe e de forma direta questionou o militar: “o senhor foi patrocinado por alguém antes de entrar aqui ou foi pressionado por alguma hierarquia para ter este comportamento?”, atirou o magistrado.
“Estou sob pressão. Sinto-me pressionado e não devia estar nesta posição”, assumiu Luís Robles, que se levantou da cadeira, aproximou-se do écran onde eram exibidas as imagens e a um/dois metros identificou todos os militares que se viam nos vídeos ou pelas suas vozes.
Entrando por vezes em contradição, segundo as questões colocadas pelos advogados de defesa dos sete arguidos, o antigo comandante do posto de Vila Nova de Milfontes ainda ouviu o juiz dizer-lhe que “o senhor está desejando sair daqui, mas tem que medir aquilo que diz”, sustentou.
Outro dos magistrados do Coletivo questionou o sargento sobre quem era a voz feminina que se ouvia num dos vídeos, mas não obteve qualquer nome, tendo fica a questão sobre quem era a senhora: “que está alegre e contente e não lhe aconteceu nada e ninguém se chegou à frente para a identificar”, concluiu.
A investigação do processo, levado a cabo pela Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal, foi revelado pelo Lidador Notícias (LN) em 22 de setembro de 2020, quando ainda só existiam quatro arguidos e que teve início na sequência das detenções de cinco militares ocorridas em 2019, quatro do Posto da GNR de Vila Nova de Milfontes e um de Odemira.
O primeiro dia do julgamento de sete militares acusados de ofensas à integridade física, sequestro e abuso de poder perpetrado contra imigrantes, que teve ontem início no Tribunal de Beja, ficou marcados por outras peripécias.
Dos sete arguidos, só Pedro Miguel Lopes se apresentou fardado e somente dois, Nelson Lima e Diogo Ribeiro, se dispuseram a falar, alinhando o seu discurso pelo mesmo diapasão: “foi uma brincadeira parva, de mau gosto, que não foi feita com maldade”, o que levou o juiz a lembrar que alguns dos arguidos “já foram condenados noutro processo, pelos mesmos motivos praticados na mesma altura”. Rúben Candeias (na foto) apontado como o principal arguido também se remeteu ao silêncio.
Considerando que era brincadeira a mais, no início da sessão da tarde o presidente ditou três requerimentos para a ata para anexar aos muitos apensos: “extracção de certidão de trânsito em julgado das condenações do anterior processo, alterando da graduação dos crimes por forma a que em caso de condenação aos arguidos seja aplicada a pena acessória da proibição de exercício de funções e a notificação da SIC para remeter cópia da entrevista do arguido João Miguel Lopes essencial à descoberta da verdade”.
O julgamento continua na próxima segunda-feira com sessões de manhã e de tarde, com a audição de testemunhas de acusação.
Juízes pediram escusa de julgar processo
Dois dos três juízes que integram o Coletivo de Juízes deram entrada no Tribunal da Relação de Évora (TRE) com um pedido de escusa para não julgar o processo uma vez que três dos arguidos foram julgados e condenado em penas de prisão, suspensas na execução. Os Desembargadores do TRE não aceitaram o requerimento com a justificação de que “não está em causa a imparcialidade pessoal dos senhores juízes”.
Três dos militares condenados
Envolvidos no primeiro processo julgado por um Coletivo de Juízes do Tribunal de Beja e em cujo acórdão de 3 de julho de 2020, João Miguel Lopes foi a cinco anos de prisão, enquanto que Rúben Candeias e Nelson Lima foram condenados a quatro anos e a três anos e seis meses de prisão, cada um.
Crimes de que são acusados
Rúben Candeias, de 26 anos natural de Beja, está acusado de 11 crimes, sendo seis de ofensa à integridade física qualificada, quatro de abuso de poder e um de sequestro.
Nelson Lima, de 30 anos natural de Lajes-Praia da Vitória, Diogo Ribeiro, de 29 anos natural de Arnóia-Celorico de Basto, e Nuno Andrade, de 33 anos natural de Caçarilhe-Celorico de Basto, estão acusados de cinco crimes cada um, nomeadamente um de abuso de poder e quatro de ofensa à integridade física qualificada.
João Miguel Lopes, de 31 anos natural da Guarda, está acusado de três crimes, um de abuso de poder, um de ofensa à integridade física qualificada e um de sequestro.
Carlos Figueiredo, de 32 anos natural da Guarda, e Paulo Cunha, de 27 anos natural do Porto, estão acusados de dois crimes cada um, nomeadamente um de abuso de poder e um de ofensa à integridade física qualificada.
Teixeira Correia
(jornalista)