Beja: Reformado passa os dias no Tribunal. Já “foi” jornalista e polícia.
Manuel Charuto, reformado, há dois anos passa os dias no tribunal. Já foi confundido como jornalista e inspetor da PJ. Julgamentos perante Tribunal Coletivo, são para ele, os mais interessantes.
“Primeiro foi a curiosidade, depois o ter percebido que os bancos do tribunal são uma escola da vida, que ajuda a ganhar novos conhecimentos”. É desta forma que Manuel Charuto Gomes, 64 anos, reformado, sintetiza a maneira como nos últimos dois anos passa os seus dias no Tribunal de Beja.
“Já entrei no tribunal às 09,00 horas e estar até as 17,00 horas, com uma hora para ir almoçar. Os bancos de madeira, são duros, mas o interesse que sinto em cada sessão ultrapassa tudo”, diz quem nunca tinha entrado num tribunal, “nem para tirar o registo criminal”, justifica.
Manuel Charuto é já “uma figura carismática” no átrio e nas salas de julgamento. Já foi confundido como inspetor da Policia Judiciária (PJ) e também como jornalista. Alguns dos profissionais dos jornais e televisões tratam-no simpaticamente por “colega”.
Num julgamento de um clube de caçadores, “a mulher de um dos arguidos veio questionar-me se era jornalista. Aos poucos fui percebendo que esses arguidos quando me viam chegar se afastavam, até que um me veio perguntar se era da PJ”, revela a sorrir.
João Gonçalves, o segurança do tribunal, tem uma particular relação com o Charuto, como é tratado pelos amigos. “É presença habitual. Há dias em que é das poucas pessoas que por aqui passa e sempre conversamos um bocado e matamos o tédio”, remata.
Antes de chegar à reforma, Joaquim fez de tudo. Mas é com orgulho que revela que quando passou pela construção civil “ajudei a construir a CREL e a Expo 98, em Lisboa, e o troço da A6, entre Estremoz e a fronteira do Caia”, chegando a ser negociante de gado e ter tido mais de 400 cabeças de ovinos.
“Tenho um bloco onde vou anotando o que é dito em cada sessão. Gosto de ouvir e anoto as justificações dos arguidos, a argumentação dos advogados e as perguntas do Procurador e dos Juízes”, justificando que os julgamentos perante Tribunal Coletivo “são os mais interessantes, pelo número de juízes e os anos de prisão que os processos envolvem”, conclui.
“Há processos em que anoto os anos de prisão que os suspeitos podem apanhar e depois comparo com o que os juízes lhes dão”. Para quem como ele conhece todos os juízes, Ana Batista e Vítor Maneta, são os magistrados que mais admira. “Curtos, precisos e sem rodeios. Considero-os tão implacáveis, quanto justos”, remata.
Mas o Charuto já tem algumas histórias para contar. “Um dia estava constipado e desembrulhei um rebuçado. A juíza não foi de modas e chamou a atenção para o senhor do rebuçado não fazer tanto barulho”, conta alegremente. O que mais o chocou foi um recente julgamento em que um arguido foi acusado de vender droga a menores junto a uma escola. “Tenho três filhos e seis netos e chocou-me”, lembrou.
Quando começou a frequentar o tribunal Joaquim não conhecia ninguém, hoje as coisas são distintas. “Recentemente os funcionários pediram-me ajuda para mudar uma pesada mesa de local. Conheci todo o tribunal, fiquei impressionado”, conclui.
“Que experiência gostava de ter no tribunal ?. Juiz por um dia. Mandava prender uma série de azeiteiros que andam a enganar as pessoas honestas”, estando consciente de que vestir uma toga, não é o mesmo que beber um café ou um copo de água.
Teixeira Correia
(jornalista)