E SE O APAGÃO TIVESSE DURADO 72 HORAS?


O apagão geral ocorrido no dia 28 de abril, na Península Ibérica, causado por motivo de uma falha maciça na distribuição de energia elétrica, constituiu para Portugal uma ameaça à estabilidade social e à segurança pública, potencialmente devastadoras, durante 10 horas. E se tivesse sido durante 72 horas?

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda

As consequências de um apagão geral agravam-se de forma exponencial com o passar das horas, afetando diretamente o bem-estar, a segurança e a sobrevivência da população, apresentando-se a seguir uma possível cronologia com os principais impactos nas 12, 24, 36, 48 e 72 horas após o início de um apagão:

Até 12 horas:

– Interrupção dos serviços de telecomunicações móveis e internet, à medida que as baterias de antenas e servidores se esgotam;

– Transportes públicos paralisados (comboios, metros, elétricos); engarrafamentos devido a semáforos inoperacionais;

– Supermercados e lojas fecham ou operam sem pagamento automático, dificultando as compras e início de compras compulsivas;

– Elevadores e sistemas automáticos de acesso parados, com risco de pessoas presas em elevadores e teleféricos;

– Início da desinformação e ansiedade social, agravada pela ausência de meios de comunicação fiáveis.

– Hospitais funcionam com geradores, mas começam a poupar recursos e energia.

Até 24 horas:

– Falhas nos serviços de abastecimento de água, devido à paragem de sistemas de bombagem;

– Início da escassez de combustível em postos sem geradores;

– Comunicações entre Forças de Segurança (FS) e de Proteção Civil (PC) mais difíceis, exigindo o uso de rádios VHF/UHF, satélite e redes de emergência;

– Aumento do pânico e das compras compulsivas nos poucos estabelecimentos ainda abertos;

– Primeiros incidentes de distúrbios, furtos e saques em zonas urbanas;

– Sistema de saúde sobrecarregado, com dificuldades em manter equipamentos médicos críticos.

Até 36 horas:

– Bens essenciais começam a esgotar-se: pão, leite, água engarrafada e medicamentos;

– Grupos mais vulneráveis em risco: idosos, doentes crónicos, crianças pequenas e pessoas dependentes de equipamentos médicos;

– Paragem da cadeia de frio, com alimentos a estragarem-se e restaurantes/supermercados a deitarem produtos para o lixo;

– Início de falhas nos serviços de saneamento em zonas urbanas densamente povoadas;

– Aumento de crimes oportunistas e comportamentos agressivos em filas ou centros de distribuição;

– Necessidade de intervenção massiva das FS para manter a ordem.

Até 48 horas:

– Colapso das redes de abastecimento urbano, incluindo lixo não recolhido, esgotos a transbordar e ruas sujas;

– Hospitais com stocks e combustível no limite, iniciando critérios de triagem mais restritos;

– Postos de comando das FS e da PC sobrecarregados e possível falha de comunicação em áreas remotas;

– Pico da desinformação e circulação de rumores, potencializando tumultos;

– Comportamentos de sobrevivência emergem: organização comunitária ou conflitos por acesso a água e alimentos;

– Alojamentos improvisados e abrigos temporários começam a ser ativados.

Até 72 horas:

– População começa a abandonar cidades, tentando chegar a zonas rurais ou locais mais seguros;

– Crise humanitária em desenvolvimento, com necessidade urgente de apoio externo (Forças Armadas, cooperação internacional);

– Doenças começam a surgir devido à falta de higiene, água potável e condições médicas;

– Falência total dos serviços de emergência convencionais sem reforço ou apoio logístico externo;

– Estado de emergência declarado (se ainda não o estiver) com eventual imposição de recolher obrigatório e intervenção militar;

– Risco elevado de colapso social em áreas urbanas densas e vulneráveis.

O apagão do dia 28 de abril destacou a importância da resiliência infraestrutural, educação da população sobre emergência e planeamento estratégico nacional e europeu, concluindo-se que a vulnerabilidade é generalizada, onde nenhum setor está imune, desde os transportes e comunicações, à saúde, segurança e abastecimento alimentar, cuja falência de um sistema afeta todos os outros, criando um ciclo de colapso sistémico e a ordem pública está em risco crescente com o passar do tempo, pelo que à medida que se esgotam os recursos básicos e a informação desaparece, o pânico e o comportamento irracional instalam-se, exigindo intervenção firme e coordenada das FS e PC.

A resiliência depende da preparação prévia, cuja única forma de mitigar os impactos de um apagão generalizado é investir antecipadamente em planeamento, treino, redundância energética, comunicação alternativa e equipamentos autónomos, sendo o tempo o maior inimigo, porque cada hora sem eletricidade agrava exponencialmente os riscos, exigindo-se decisões rápidas, para uma resposta eficaz, bem como a centralização do comando e da imediata mobilização de recursos.

Sem esquecer a cooperação, porque nenhuma entidade, nem mesmo nenhum país, conseguirá responder sozinho, sendo a colaboração interinstitucional, transnacional e com a população, essencial para evitar o colapso social, pelo que preparar-se para um apagão geral é reconhecer que a segurança nacional não depende apenas das FS, mas também da capacidade de proteger as infraestruturas essenciais e de manter a coesão social perante a adversidade, cujo verdadeiro teste de um Estado moderno é a sua capacidade em funcionar… mesmo no escuro.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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