Numa altura em que os incêndios Madeira estão extintos, trazemos novamente para reflexão, sete anos depois dos incêndios de Pedrógão Grande, as evacuações de povoações e que ocorrem por motivo de incêndios de media ou grande dimensão e ameaçando pessoas e bens.
Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
A primeira vez que abordei este assunto foi no artigo de 30 de agosto de 2017 com o titulo “Mais vale evacuar do que remediar”, onde referi que nos incêndios de Pedrógão Grande, de junho de 2017, teve como resultado a morte de 64 pessoas e feriu outras duas centenas, cujas consequências desse trágico incêndio não se pretendem que venham a repetir-se, pelo que decidir pela evacuação dos habitantes de toda e quaisquer povoação que se encontrem no percurso de incêndios de grandes dimensões é sempre a medida mais correta, de modo a evitar a consequente perda de vidas civis.
Nesta altura é importante referir, que este tipo de evacuação é diferente das “evacuações sanitárias” da responsabilidade da Direção-Geral de Saúde (DGS) e do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), cabendo a este último “coordenar todas as atividades de saúde em ambiente pré-hospitalar, a triagem e evacuações primárias e secundárias.”
Depois desta necessária explicação, verificamos que desde 2017, o conceito de evacuação preventiva começou a ser usado e aplicado vezes sem conta, obrigando à deslocação de milhares de pessoas e à evacuação de centenas de povoações, em todos os médios e grandes incêndios, cuja medida excecional passou a ser rotina.
Para além desta medida excepcional, que tem como principal preocupação salvar vidas humanas, em detrimento do combate aos incêndios, também os cortes de estrada, ocorrem em maior número, apesar de limitarem a liberdade de circulação das pessoas.
Conforme já referido a evacuação de pessoas, num incêndio florestal, é uma medida excecional, que se encontra prevista na Diretiva Operacional Nacional nº 2, com o titulo Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais 2024 (DECIR 2024), pelo que esta medida sofreu alterações ao longo dos últimos sete anos, tendo a DECIR 2017 três únicas referências à palavra “evacuação”, todas elas respeitantes às missões atribuídas às Forças de Segurança (FS) e às Forças Armadas (FA).
Essa referências em 2017, na missão atribuída às FS é referido, que a Guarda Nacional Republicana (GNR) “para além do cumprimento das missões que legalmente lhes estão cometidas, exerce ainda a missão de apoio à evacuação de populações em perigo” e para a Policia de Segurança Pública (PSP) era referido “conduz, a pedido do CODIS (Comandante Operacional Distrital) ou do COS (Comandante Operações de Socorro), na área de competência territorial, missões de apoio à evacuação de populações em perigo”, e para as FA era referido que “a pedido da ANPC (atual Autoridade Nacional de Emergência Proteção Civil), e de acordo com os planos próprios e disponibilidade de recursos, colaboram no apoio à evacuação de populações em perigo”, concluindo-se que a evacuação das populações era executada pela GNR, PSP e FA.
Em 2017 a decisão de evacuar pessoas podia acontecer em incêndios de média ou grandes proporções, quando existia reforço de meios e era ativado o respetivo Plano Municipal de Emergência, sendo a evacuação decidida pelo responsável municipal pela protecção civil, atribuindo a responsabilidade de a executar às FS, com a colaboração dos bombeiros, FA.
A primeira referência à evacuação de pessoas constante no DECIR 2024 encontra-se no ponto 7. F. (5). “Confinamento ou Evacuação de Emergência”, sendo referido que “Quando exista ameaça a povoações acima das suas capacidades de autoproteção solicitar às FS, através do Comandante de Operações de Socorro (COS), a evacuação de povoações; A evacuação de pessoas é obrigatoriamente comunicada ao COS através do Posto de Comando Operacional (PCO), sendo obrigatoriamente registada no Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO), com indicação clara da razão da evacuação, hora do início da evacuação, hora da conclusão da evacuação, número de cidadãos deslocados e destino. Sempre que o PCO não tiver possibilidade de registar diretamente os dados no SADO, os registos são efetuados pelo CSREPC; A operação com a logística necessária à receção e instalação temporária dos cidadãos deslocados é suportada pelas autarquias.”
Uma segunda importante referência consta na alínea (c) do ponto 7.F.(8). “Restabelecimento de Segurança”, sendo referido que “as populações evacuadas ou deslocadas devem ser encaminhadas com o acompanhamento das forças de segurança, garantindo a recondução das populações aos seus locais de origem.”
Em 2024 assim como em 2017 são também atribuídas missões às FS e FA constando as mesmas no Anexo 1 “Composição, missão e articulação das forças”, sendo referido no que diz respeito às “entidades integrantes ou cooperantes do dispositivo especial de combate a incêndios rurais (DECIR)” quais as “missões das entidades e forças integrantes ou cooperantes do DECIR”, sendo que na parte dos “Agentes de Proteção Civil (APC)” é referido para a GNR, que “no que concerne à Gestão da Segurança dos Teatros de Operações (TO), é responsável na sua área de jurisdição por executar em articulação com o COS … a evacuação de populações e animais em perigo, e efetuar o restabelecimento da segurança”.
A PSP, “para além das suas competências próprias, conduz, a pedido do Comandante Sub-regional de Emergência e Proteção Civil (COSREPC) ou do COS, na área de competência territorial, a missão de promover o apoio à evacuação de populações em perigo”.
E para as FA é referido que “a pedido da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), e de acordo com os planos próprios e disponibilidade de recursos, colaboram no rapoio à evacuação de populações em perigo.”
Nesta altura é importante fazer uma referência ao “Programa Aldeia Segura Pessoas Seguras”, que foi entretanto criado e que conta já com 2.315 aglomerados envolvidos, sendo que destes, 2.164 contam com “Oficial de Segurança Local” e 983 tem “Planos de Evacuação”, tendo sido realizados 531 simulacros, existindo 1.496 locais de abrigo e 1.486 locais de refúgio
Neste âmbito e de acordo com o DECIR 204, é ao COSREPC que cabe a responsabilidade de articular com os grupos de autodefesa dos aglomerados populacionais no âmbito do programa “Aldeia Segura Pessoas Seguras”, e dos kits de primeira intervenção, constituídos nas Juntas de Freguesia (JF), garantindo que a sua missão se limita à defesa dos aglomerados populacionais.
Sendo que as Câmaras Municipais “monitorizam as condições locais sinalizando ao ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), I.P. (Infraestruturas de Portugal) e à ANEPC as potenciais ameaças de ignição e propagação, através dos GTF (Gabinetes Técnicos Florestais). Em situação meteorológica de maior severidade, dirigem avisos aos oficiais de segurança local, identificados no programa “Aldeia Segura Pessoas Seguras”, nos aglomerados populacionais considerados mais vulneráveis, através dos Serviços Municipais de Proteção Civil (SMPC).”
E no que diz respeito à “Gestão da informação operacional sobre os incêndios rurais”, os avisos à população, são efetuados através da estrutura operacional da ANEPC, dos SMPC, das Freguesias, dos Oficiais de Segurança Local no âmbito do Programa Aldeia Segura Pessoas Seguras, dos órgãos de comunicação social, bem como através do envio de SMS à população ou disponibilização de informação em outras plataformas informáticas.
Conclui-se assim, que esta medida de evacuação preventiva, apesar de ser uma medida excecional, que de inicio era de planeamento diminuto e de treino inexistente, desde 17 de junho de 2017, já foi aplicada centenas de vezes, sempre com sucesso, verificando-se que o profissionalismo de todos que a executaram, conseguiram promover a evacuação de milhares de pessoas, contribuindo para que nenhuma vida tivesse sido perdida, apesar de ser considerada muitas vezes como excesso de zelo.
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