Opinião (José Lúcio/ Juiz): FAÇA-SE JUSTIÇA À JUSTIÇA.
O senso comum manda pensar que a justiça também pode morrer por excesso de velocidade. A aplicação da justiça ao caso concreto impõe cuidados e atenções que só estão devidamente salvaguardadas respeitando-se as regras e os tempos próprios.
(Juiz Presidente da Comarca de Beja)
Todavia, uma justiça rápida e expedita, em que de manhã se julga e à tarde se executa, parece de vez em quando aflorar como ideal, não só nos desabafos do autocarro ou do metro, ou nas reflexões autorizadas de barbeiros e taxistas, como até nas teses expendidas por muito boa gente que, sem desdouro para tão respeitáveis profissões, está adstrita a muito maiores responsabilidades na matéria.
Essa mesma linha de pensamento frequentemente se desprende dos títulos e conteúdos de muita da nossa comunicação social, e não só da usualmente chamada de tablóide; e afecta até com alguma regularidade discursos mais elaborados, normalmente envoltos em retórica respeitável, centrada em figuras como celeridade e eficiência, sempre desejadas e aclamadas em contraposição à indesejada morosidade.
É forçoso aceitar que tudo isso exprime uma aspiração compreensível, ainda que muitas vezes equivocada e manipulada. É preciso que se faça justiça, e que ela seja feita a tempo. Porém, o juiz nunca poderá confundir-se com o cobrador do fraque ou com o carrasco de serviço. E a aplicação da justiça, tarefa profundamente humana por natureza, nunca poderá ser substituída por um qualquer programa disponível no multibanco.
Entretanto, os tribunais portugueses vão fazendo o que podem, com os meios humanos e materiais que lhes permitem. São por ironia o órgão de soberania cujas decisões a Constituição da República faz prevalecer sobre quaisquer outras (“as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, diz o n.º 2 do art. 205º da CRP) mas simultaneamente aquele que depende a todo o tempo do que outros lhe queiram benevolamente conceder. Seja na definição e preenchimento dos seus quadros seja na simples aquisição de papel e lápis ou na reparação de um vidro de janela, os tribunais estão permanentemente de mão estendida, na dependência total do que outros poderes entendam facultar-lhes.
Neste contexto, que é por regra de escassez sistemática, roçando o aviltante, é preciso reconhecer que os nossos tribunais vêm exercendo as funções que lhes estão confiadas de uma forma mais que satisfatória.
Recordemos alguns números avulsos divulgados pela Direcção Geral de Política da Justiça.
No documento disponível no respectivo sítio online intitulado “alguns indicadores estatísticos sobre os processos nos tribunais judiciais de 1ª instância, 2007-2016”, salienta-se que os dados de processos pendentes no final de cada ano, nesse período, mostram fortes decréscimos que se cifraram globalmente em menos 13,5% entre 2015 e 2016 e em menos 33,2% entre 2012 e 2016.
Particularizando, no destaque estatístico trimestral referente ao terceiro trimestre de 2017 sublinha-se que entre o terceiro trimestre de 2007 e o terceiro trimestre de 2017 verificou-se uma redução de 32,4% no número de ações cíveis pendentes.
Quanto ao universo específico das acções executivas, destaca-se recentemente que no terceiro trimestre de 2017 o número de ações executivas cíveis pendentes decresceu cerca de 13,6% face ao final do terceiro trimestre de 2016 e que considerando os terceiros trimestres de 2013 a 2017 verificou-se uma redução acumulada de 51,1% no número de ações executivas pendentes (baixaram nesses anos para menos de metade).
Recentemente, na abertura do ano judicial, a senhora Ministra da Justiça, num raro gesto de elogio para os tribunais, congratulou-se por nos últimos dois anos (2016 e 2017) a pendência processual nos tribunais judiciais de primeira instância acusar a significativa baixa de menos 300.000 (trezentos mil) processos.
É muito, e muito mais poderia citar-se. Os dados são públicos, e sobrevivem envoltos num estranho desinteresse geral. Teriam muito melhor sorte se apontassem no sentido inverso – era popularidade garantida, e títulos de caixa alta em tudo o que se publicasse. Mas é assim – os números existentes sobre o desempenho dos tribunais portugueses nestes anos mais recentes demonstram uma evolução constante e quantitativamente muito expressiva no sentido da melhoria, em todos os indicadores possíveis.
Houve efectivamente uma grande redução de pendências, e houve também uma notória redução nos tempos de resposta do sistema. Podemos dar-nos por satisfeitos e congratular-nos com o que há? Certamente que não. Resta muito por fazer, e há muito por onde melhorar? Certamente que sim. Mas que não se ignore o trabalho árduo e persistente que tem sido realizado e que de modo consistente vem produzindo resultados. Faça-se justiça à justiça.
(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)