OS NÚMEROS DA CRIMINALIDADE E O SENTIMENTO DE (IN)SEGURANÇA


Quem quiser conhecer qual a criminalidade registada em Portugal, por todos os órgãos de Policia Criminal (OPC), pode procurar na página Estatísticas de Justiça ou no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), no entanto também pode pesquisar no Google porque de certeza que encontrará várias noticias sobre os números da criminalidade que procura, ajustados aos seus interesses e de acordo com as suas perceções de segurança.

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda

Em abril de 2016, no artigo com o titulo “As estatísticas criminais”, abordei o assunto, por motivo do RASI de 2015, e dos vários artigos divulgados na altura, dando conta do aumento ou diminuição dos crimes, segundo as possíveis diferentes leituras, onde a principal conclusão foi que em 2015 foram cometidos mais crimes, que em 2014, sabendo que alguns tipos de crimes aumentaram, outros diminuíram e outros ainda, foram cometidos pela primeira vez em 2015, uma vez que as respectivas condutas não eram criminalizadas em 2014, podendo estas conclusões ter levado a uma diminuição do sentimento de segurança em 2015, por parte da população, com a agravante que o aumento da criminalidade não acontecia desde 2008.

Também fizemos questão de diferenciar “Crimes Denunciados” de ”Crimes Participados”, sendo os primeiros, aqueles que resultam das queixas dos cidadãos e os segundos, como sendo aqueles que são resultado da atividade operacional dos OPC e tendo em conta as grandes áreas que constam no Código Penal: crimes contra as pessoas; crimes contra o património; crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal; crimes contra a vida em sociedade; crimes contra o estado; crimes contra animais de companhia, e; crimes previstos na legislação avulsa.

Maioritariamente os crimes contras as pessoas e contra o património, registados pelos OPC, são resultado de queixas feitas pelos cidadãos, os “Crimes Denunciados” e os que resultam da actividade operacional, são maioritariamente os que se incluem nos crimes contra o estado, contra a sociedade e os previstos na legislação avulsa, os “Crimes Participados”, sendo que os primeiros são os que contribuem para o aumento do sentimento de insegurança e os segundos potenciam o sentimento de segurança, concluindo-se por isso, que o trabalho de prevenção deve estar focado na redução dos crimes contra o património e contra as pessoas, devendo as estatísticas criminais, antes de mais, referir se os crimes contra o património e contra as pessoas, aumentaram ou diminuíram, em comparação com o período homólogo em análise, e não analisar, se o total de crimes registados aumentou ou diminuiu, porque resulta numa análise redutora.

No que diz respeito aos tipos de crime que mais influenciam o sentimento de segurança das pessoas, eles enquadram-se nos crimes contra as pessoas ou contra o património, e podemos considerar que são os denominados “crimes violentos”, como os homicídios, os roubos, as ofensas à integridade física e a violência sexual, como tendo um maior impacto psicológico na perceção de segurança, porque esses crimes envolvem a ameaça direta à integridade física e emocional, gerando medo nas vítimas, mesmo em situações quotidianas.

Os crimes como as violações, sequestros ou agressões graves criam um sentimento de vulnerabilidade, especialmente em grupos mais expostos, como mulheres, idosos ou crianças, os roubos à mão armada ou os assaltos a residências, afetam a sensação de segurança pessoal e no próprio lar, cuja amplificação pelos OCS geram uma perceção de risco desproporcional à realidade.

A presença de gangues ou conflitos com recurso a armas brancas ou de fogo em áreas urbanas, cria um clima de insegurança generalizada, mesmo para quem não está diretamente envolvido, no entanto os crimes como furtos ou burlas, geralmente impactam menos no sentimento de segurança, a menos que sejam recorrentes numa determinada comunidade.

Os fatores subjetivos como o género, idade, experiências pessoais e o contexto local também moldam essa perceção, nomeadamente as mulheres costumam relatar maior medo de violência sexual, mesmo em regiões com baixa incidência estatística, sendo que em algumas regiões, os crimes de corrupção sistémica, também podem minar a confiança nas instituições, afetando indiretamente a sensação de segurança.

Em resumo, embora a realidade criminal seja multifacetada, os crimes que envolvem a ameaça direta à vida e à liberdade são os que mais contribuem para a sensação de insegurança na população, sendo que o aumento da criminalidade, só por si, poderá tender a contribuir para a diminuição do sentimento de segurança, mas essa relação não é automática ou linear, pelo que a perceção de insegurança depende de fatores que vão além dos números estatísticos, envolvendo aspetos psicológicos, sociais e culturais.

Por isso, se houver um crescimento real de crimes, especialmente os violentos ou visíveis, as pessoas passam a testemunhar ou vivenciar mais situações de risco, como por exemplo, se uma comunidade regista mais roubos, assaltos ou homicídios, os moradores percebem maior vulnerabilidade no dia a dia, bem como quando os crimes são mais frequentes, gerando a sensação de que “ninguém está seguro”, mesmo que apenas uma parcela da população seja diretamente afetada.

Conforme já referido a cobertura mediática sensacionalista ou repetitiva de crimes pode amplificar o medo, mesmo quando o aumento real da criminalidade não é significativo, porque as notícias sobre crimes violentos ficam mais gravadas na memória, levando as pessoas a superestimarem a probabilidade de serem vítimas, sendo que a viralização nas redes sociais de casos isolados, cria a ilusão de que a violência está “em todo lugar”.

Da mesma forma, alguns crimes afetam desproporcionalmente a sensação de segurança por representarem uma quebra de ordem social, como por exemplo os assaltos a residências, porque violam o espaço considerado “sagrado”, que é o lar, gerando trauma coletivo, bem como os crimes contra crianças ou idosos, por atingirem a noção de proteção aos grupos mais vulneráveis, sendo os crimes de terrorismo ou massacres, os que mais ameaçam a sensação de controle, mesmo que sejam eventos raros.

Também os fatores subjetivos e contextuais, como as experiências pessoais podem influenciar o sentimento de segurança, porque quem já foi vítima de crimes ou conhece vítimas tende a sentir mais medo, independentemente das estatísticas, assim como a desconfiança nas instituições, onde a polícia ou o sistema judiciário são vistos como ineficazes, podendo o aumento da criminalidade reforçar a ideia de que “nada será feito”, bem como a desigualdade e a exclusão social, porque em regiões de pobreza extrema ou segregação, o sentimento de abandono pelo Estado intensifica a insegurança, mesmo sem mudanças bruscas nas taxas de crime.

Concluindo-se que o aumento da criminalidade geral contribui para a diminuição do sentimento de segurança, mas a intensidade desse efeito depende do tipo de crime, onde os crimes violentos ou simbolicamente mais impactantes geram mais medo, tal como as narrativas mediáticas e sociais, tendo em conta que a forma como os crimes são comunicados molda a perceção de segurança, assim como o contexto local, porque a desigualdade, a eficácia das instituições e as experiências coletivas são decisivos, verificando-se que a relação entre criminalidade e sensação de (in)segurança é mediada pela forma como o risco é vivido, devendo os números da criminalidade serem  interpretados e comunicados por tipologia de crime e não apenas através de números absolutos.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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