Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): TRÁFICO DE CRIANÇAS.


Na semana passada, no dia 27 de setembro, o Diário de Notícias fez capa com o artigo “Portugal é nova rota no tráfico de crianças africanas”, onde dava conta que “Lisboa está a ser usada como placa giratória para uma rede transnacional de tráfico de crianças da África subsaariana”.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Este assunto já aqui foi abordado no artigo “Tráfico de seres humanos”, datado de julho de 2015, tendo na altura referido que o Tráfico de Seres Humanos (TSH), nas suas várias vertentes, não é um fenómeno recente, nem tampouco se confina hoje às fronteiras de alguns países e/ou regiões de mundo dito mais pobres, constituindo uma grave violação dos direitos humanos, na medida em que afeta sobretudo grupos vulneráveis como as mulheres e as crianças em qualquer ponto do mundo, não estando o nosso pais imune às redes de TSH, podendo este fenómeno assumir diversas formas, nomeadamente para obtenção de trabalho forçado, transplante e venda ilegal de órgãos, adoção ilegal de crianças e exploração sexual de mulheres e crianças.

Em Portugal, o crime de tráfico de seres humanos é punível com pena de prisão até 12 anos, agravado quando as vítimas sejam menores de idade, sendo o crime praticado por quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas, exercendo violência, rapto, abuso de autoridade ou aproveitando-se de uma incapacidade psíquica da vítima, cuja investigação cabe ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O referido artigo do DN aborda o tema do TSH na vertente do tráfico de crianças, que tem origem em “países africanos a sul do Saara, de expressão francófona e anglófona” e tem como destino “países do centro europeu como França ou a Alemanha”, estando Portugal a ser usado como “como uma porta de entrada para o espaço Shengen”, dando ainda o artigo a conhecer as cinco ocorrências detetadas pelo SEF desde março, deste ano, quase sempre envolvendo adultos acompanhados de crianças, que tendo em conta sua a origem, se encontram sob atenção redobrada da Unidade Anti-Tráfico do SEF, que sobre esta situação esclareceu que no âmbito das investigações “A cooperação que temos com esses países é inexistente”.

Esta falta de cooperação com os países africanos de origem desta crianças poderá não causar estranheza, tendo em conta o seu nível de desenvolvimento, mas no entanto a falta de cooperação entre países, no que diz respeito ao fenómeno do TSH, especialmente o tráfico de crianças, verifica-se também nos países desenvolvidos, em qualquer ponto do mundo, inclusive na europa, conforme tivemos oportunidade de referir no nosso artigo com o título ’Criança desaparecida’: Uma criança, várias definições”, de maio de 2015, onde demos a conhecer o estudo sobre o fenómeno das crianças desaparecidas na União Europeia a 27, elaborado pela Comissão Europeia, denominado “Missing children in the European Union: Mapping, data collection and statistics” datado de 2013.

Apesar deste estudo apresentar os resultados do trabalho desenvolvido pelos 27 Estados-Membros da UE no âmbito dos mecanismos, medidas, protocolos e procedimentos relacionado com o desaparecimento de uma criança, poderá o mesmo servir, para melhor perceber o que acontece no tráfico de crianças, quando quase sempre estão envolvidas crianças desaparecidas no seus países de origem, cuja informação não é conhecida pelas autoridades que eventualmente a poderão localizar, aumentando o problema nos países que não ratificaram a Convenção de Haia, prejudicando a cooperação.

Se nas situações de crianças migrantes não acompanhadas, as autoridades têm a obrigação de iniciar as investigações com o objetivo de conhecer tudo o que lhe possa dizer respeito, mais difícil se torna a investigação quando as mesmas crianças migrantes são acompanhadas por adultos, como foram as cinco situações detetadas pelo SEF, onde a colaboração com as autoridades dos países de origem se revela fundamental, sendo ainda um entrave às investigações, a forma como cada país trata o assunto das crianças migrantes, sejam acompanhadas ou não.

Apesar da investigação sobre TSH caber ao SEF, a GNR também tem obrigações, no âmbito do cumprimento da sua missão, devendo assegurar a defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos, garantindo a legalidade e os mais elevados padrões de segurança e de tranquilidade públicas, dispondo para cumprimento desse desiderato de diversas Unidades e Órgãos, que se dedicam ao combate do TSH, de onde destacamos as Unidades Territoriais, localizadas em todos os Distritos do Continente e Ilhas que executam todas as funções policiais, legalmente atribuídas, nas áreas à sua responsabilidade, que através dos seus Postos Territoriais, das Secções de Programas Especiais e dos Núcleos de Investigação Criminal, têm o encargo de proceder à sinalização, identificação e acompanhamento das situações criminais, incluindo no âmbito do TSH, promovendo quando necessário, o atendimento especializado e personalizado e as adequadas e possíveis ações de proteção às vítimas.

No âmbito do combate ao TSH, a GNR recorre-se do patrulhamento orientado para o problema, permitindo que determinadas situações sejam alvo de uma abordagem policial específica, por militares conscientes e alertados para as problemáticas, capazes de identificar as situações, sinalizando-as junto das entidades competentes, para que seja possível um acompanhamento preventivo e antecipado, traduzindo-se numa orientação de ações de policiamento e operações, frequentemente conjuntas com o SEF e outras entidades, para locais onde são passíveis de ocorrer casos de tráfico para fins de exploração sexual (bares, casas de alterne e outros estabelecimentos de diversão noturna) e de exploração laboral (atividades de construção civil e obras públicas, atividades sazonais e serviços domésticos).

Neste particular haverá a referir os Núcleos de Investigação e de Apoio a Vítimas Específicas, cujos militares recebem formação específica e especializada de investigação criminal e apoio à vítima. Esta valência, especialmente vocacionada para a prevenção, acompanhamento e investigação (quando a investigação do crime é da competência da GNR) de situações de violências exercidas sobre vítimas com necessidades específicas, onde se incluem as vítimas de tráfico, vem permitindo à GNR melhorar a sua resposta operacional no âmbito das violências cometidas contra os grupos de pessoas tendencialmente mais vulneráveis e que constituem um fenómeno social emergente de elevada complexidade, cabendo-lhe ainda efetuar o encaminhamento de vítimas para os organismos da rede de apoio à vítima mais indicados para cada situação em concreto, no âmbito das parcerias existentes.

No combate ao tráfico de crianças todos os sinais de alerta deverão ser comunicados às autoridades, sendo por isso necessário sensibilizar a população para este fenómeno, tal como o fez o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), no ano passado por esta altura, ao lançar uma campanha contra o TSH denominada “Exploradas e Tratadas como Lixo”, com o objectivo de “Alertar para o tráfico de crianças e apelar aos portugueses para que avisem as autoridades, caso suspeitem de alguma situação”.


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