Opinião (Ana Lopes/ Oficial da GNR): O APOIO AOS MIGRANTES NA GRÉCIA: UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL.
“Diariamente dezenas de migrantes eram resgatados com vida e sem ferimentos, sendo muito deste sucesso explicado pelo elevado profissionalismo e exímia cooperação e coordenação entre todos os elementos dos Estados-Membros que participam na operação”.
Capitão da GNR, Licenciada em Ciências Militares
Comandante de Destacamento na Unidade de Controlo Costeiro
Em janeiro de 2016, após vários anos de trabalho operacional relacionado com a vigilância da fronteira externa portuguesa, senti que chegava o momento de participar numa missão internacional, tendo os anos como comandante de destacamento, na Unidade de Controlo Costeiro (UCC), me facultado a necessária experiência e conhecimento, para abraçar uma missão, particularmente especial, por envolver uma crise humanitária.
Paralelamente, em termos pessoais, senti o apoio da minha família que em tudo facilitou para que não tivesse receio dos constrangimentos que ficariam sujeitos com a minha ausência, em especial no cuidado com a minha filha, na altura com três anos.
Tudo parecia estar alinhado, por isso não hesitei e aceitei participar na missão Poseidon 2016, sob a égide da Frontex, (na altura ainda tinha a designação de Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional das Fronteiras Externas dos Estados–Membros da União Europeia) cujo objetivo principal era implementar e coordenar as atividades operacionais, dos diversos estados-membros, na fronteira externa marítima da Grécia com a Turquia, de forma a controlar o elevado fluxo migratório. Especificamente pretende-se também: reforçar a segurança nas fronteiras, contribuir para operações de busca e salvamento, reforçar a cooperação operacional, intensificar a troca de informação, identificar possíveis riscos e ameaças e estabelecer o intercâmbio de boas práticas entre os participantes.
A primeira força a iniciar a missão foi a do patrulhamento terrestre, no dia 1 de abril de 2016, constituída por dois militares, um da categoria de sargentos da UCC e outro da categoria de guardas do dispositivo territorial, sendo a mesma destacada para a ilha de Chios/Grécia, com a missão de realizar o patrulhamento terrestre e vigilância da costa, juntamente com elementos de outros países, nomeadamente Grécia, Holanda, Bulgária, Lituânia e Polónia.
Posteriormente, no dia 8 de abril, a força a bordo da Lancha de Vigilância e Interceção (LVI) “Azóia”, constituída por 15 militares da UCC, iniciou a sua missão de patrulhamento marítimo e vigilância da costa na ilha de Kos/Grécia. Na mesma data, iniciei a missão como Oficial de Ligação no Centro de Coordenação Internacional, em Piraeus/Grécia.
No dia 1 de maio integrou a operação a força a Embarcação de Alta Velocidade “Mareta I”, constituída por nove militares, com a missão de patrulhamento marítimo e vigilância da costa na ilha de Chios/Grécia, bem como a força de vigilância constituída por quatro militares, com a missão de vigilância, através de equipamentos de visão noturna, na ilha de Kos/Grécia.
Ou seja, durante a missão em que participei estiveram à minha responsabilidade, 30 militares, uma LVI, uma embarcação de alta velocidade, uma viatura todo o terreno para patrulhamento terrestre e uma viatura equipada com meios de visão nocturna.
Enquanto Oficial de Ligação as funções foram participar, através da apresentação do resultado da actividade da GNR, no briefing diário que ocorria no Centro de Coordenação Internacional (CCI), juntamente com os restantes Oficiais de Ligação de outros países, elementos da Frontex, elementos da Polícia Helénica e Oficiais da Guarda Costeira Helénica, manter uma comunicação permanente com os comandantes das forças, providenciando o máximo de informação possível tendo em vista a maximização do patrulhamento operacional, enviar os relatórios diários relativos à missão desempenhada, assim como discutir com o Coordenador do CCI os pormenores dos mesmos, informar de imediato o Coordenador do CCI as situações extraordinárias relacionadas com a atividade operacional, receber e analisar informação do Oficial de Informações da GCH e informar permanentemente o escalão superior de todos os assuntos relativos à missão.
No que diz respeito ao contacto com os migrantes, essa informação era partilhada nos briefings diários, com os restantes participantes, toda a atividade desenvolvida pela GNR, evocando todos os pormenores da atuação e os incidentes com os migrantes. Era neste momento que também ouvia os relatos dos Oficiais de Ligação de outros países e logo no 2.º dia das minhas funções deparei-me com o relato do oficial de ligação alemão de um incidente com mortes na ilha de Samos/Grécia – a cruel realidade.
Era raro o dia em que não existiam incidentes com migrantes, mesmo após o acordo da União Europeia (UE) com a Turquia. Felizmente, também eram raros os incidentes com mortes.
Diariamente dezenas de migrantes eram resgatados com vida e sem ferimentos, sendo muito deste sucesso explicado pelo elevado profissionalismo e exímia cooperação e coordenação entre todos os elementos dos Estados-Membros que participam na operação.
Durante as operações com migrantes era habitual existir mais de uma força a intervir, quer pela rapidez de atuação que algumas embarcações possibilitavam, quer pela capacidade de transportar, em segurança, dezenas de migrantes. As palavras de ordem eram sempre segurança e rapidez de atuação. Tudo para a salvar vidas e evitar catástrofes humanas.
No final de cada dia sentíamos a gratidão de poder prestar o nosso contributo no resgate dos migrantes, em especial por poder ajudar os vários bebés, crianças e mulheres grávidas que arriscaram as suas vidas, não só na procura de melhor qualidade de vida, mas, fundamentalmente, para salvarem as suas vidas.
Durante as intervenções com os migrantes, especialmente em ambiente marítimo, a primeira abordagem era fundamental. Os migrantes seguiam em embarcações deficitárias, sem condições de segurança e quase sempre sobrelotadas. Quando os nossos militares abordavam a embarcação com migrantes tinham de o fazer com muita cautela para lhes transmitir a confiança que necessitavam e, consequentemente, seguirem as indicações da nossa Força. Qualquer manobra ou abordagem mais agressiva da nossa parte poderia culminar num naufrágio. Estas abordagens eram maioritariamente durante a noite e, por isso, em ambiente adverso. Todo o cuidado era pouco. Alguns migrantes não sabiam nadar, outros transportavam coletes-salva vidas sem qualquer tipo de segurança.
Também aconteceu, os migrantes responderem de forma mais agressiva à primeira abordagem, por terem receio que a nossa força impedisse que chegassem a terra. Eles, sem qualquer tipo de equipamento de navegação, não faziam ideia onde estavam, mas tinham o objetivo de chegar a terra. No entanto, sempre que os migrantes alcançavam as águas territoriais gregas eram escoltados pela nossa força para o porto grego mais próximo. Se não tivessem condições para se deslocarem em segurança eram resgatados para a nossa embarcação, e outras da Frontex, para serem transportados para terra. Posteriormente, em porto, eram entregues às autoridades gregas.
A GNR com a missão de patrulhamento terrestre participava também no acompanhamento dos migrantes resgatados, desde o porto até ao hotspot, onde recebiam as informações úteis, do staff da Frontex, sobre os procedimentos de asilo, eram identificados e sujeitos a um conjunto de entrevistas e ações necessárias ao encaminhamento de cada caso.
Quando as equipas de vigilância detetavam os migrantes ainda em território turco, eram acionados os meios das autoridades turcas para que os abordassem e impedissem de fazer travessias marítimas perigosas. Estes migrantes ficariam sujeitos ao acordo entre a União Europeia e a Turquia e aguardariam o seu processo, em local próprio, na Turquia. O acordo entre a UE e a Turquia tem como objetivos diminuir o risco de vida dos migrantes em travessias marítimas e eliminar o modelo de negócio dos traficantes.
Apesar de missões específicas diferentes, todas as forças portuguesas trabalham para o mesmo fim – salvar vidas e, em simultâneo, contribuir para que a Grécia, Estado Membro da UE, tenha capacidade de resposta eficaz e em tempo útil. O profissionalismo e experiência adquirida, em mais de uma década de participação em missões Frontex, demostrou a aptidão da GNR no âmbito da cooperação internacional, tendo desde o início da missão, em abril de 2016, até ao momento, resgatado 1099 migrantes.
Foi sem dúvida uma experiência única, na qual tive oportunidade de participar numa missão importante para a União Europeia e para Portugal, mas fundamentalmente pela gratificação de poder contribuir com toda a dedicação e profissionalismo numa das maiores crises humanitárias desde a II Grande Guerra Mundial.